Sempre me lembro desse relato quando falo sobre o Lupe de Lupe. Tive a sorte de conhecê-los há alguns anos, no início da história da banda. Ao passo em que eles tinham poucas apresentações em seu currículo e nenhum registro oficial, eu tinha pouquíssima fé no novo rock brasileiro. Ainda assim, já ficava evidente que eu tinha me deparado com uma banda diferente pela postura contestadora e inquieta (até demais) dos seus integrantes. De forma que, antes mesmo de ouvi-los, eu já sabia de que se tratava de algo altamente promissor – mesmo que o Vitor, um dos guitarristas e vocalistas, insistisse em tentar me convencer do quão ruim eram suas composições.
Quando finalmente os ouvi, pude me certificar da explicação para aquele comportamento: um caso de injustificável modéstia. O primeiro EP do Lupe de Lupe, “Recreio”, foi a melhor estréia de uma banda brasileira que eu ouvi nos últimos anos. Tão diferente do que estamos habituados a ouvir dessa geração profundamente influenciada Los Hermanos que chega a ser difícil descrever a sonoridade que os caracteriza: guitarras distorcidíssimas e afinadas de forma pouco convencional, letras repletas de referências literárias, surpreendentes mudanças de andamento... sei que eles costumam usar por aí o termo “noise pop” para falar de si mesmos. Vai muito além da junção simplória desses dois gêneros, mas é um bom primeiro passo para tentar classificá-los.
Na última semana eles lançaram um clipe para uma música curiosamente batizada de “Há algo de podre no reino de Minas Gerais”. E é nesse ponto que eu retomo a arriscada comparação com os Replacements, que surgiram no auge da popularização do hardcore e sofriam por não conseguirem se enquadrar no que estava acontecendo na cena de Minneapolis no início dos anos 80. Acontece algo parecido com o Lupe de Lupe, tão visivelmente diferente da maioria dos artistas mineiros da sua geração. A relação conflituosa da banda com sua terra e seus conterrâneos percorre toda a letra, de forma menos amarga e crítica que o título sugere. A bem da verdade, os últimos versos da música explicitam de forma mais fiel o espírito da coisa: “Eu falo alto, toco alto, bebo, grito e choro/ e meu coração não é mediano e nem é mineiro/ Mas talvez por sonhar demais/ meu coração seja Minas Gerais”.
Com todas as suas muitas virtudes, contradições e arestas a serem aparadas, o Lupe de Lupe é uma apaixonante, audaciosa e inteligentíssima banda de rock. Coisa das mais raras hoje em dia. Se eu tivesse que escolher uma nova banda brasileira para apostar minhas fichas, como fez o tal Peter Jesperson ao largar tudo para produzir os Replacements por alguns anos, não tenho dúvidas de quem seriam meus escolhidos."